segunda-feira, 1 de março de 2010

Muda



Preciso da vida simples dos campos,

das colinas, do corpo da natureza

suave em penugem limpa

com o cheiro verde

de mãos em raízes

da vegetação incerta

do suor da chuva

e das maçãs do rosto em punhados de terra

para andar até mim mesma

e contemplar o essencial nascer

o essencial se pôr

e cá morar

como vida também simples

necessitando de menos

e sendo menos


A vida dos campos

Longe do ar rarefeito, maciço

e do choque anestesiante das metrópoles

da explosão elétrica em neon,

De vozes sem nada dizer

por corações ligados a tomadas

O viver ramificado ao concreto

do vazio concreto

Quero plantar a alma

Como flor muito miúda

Em solo mais fértil

E em todas as direções vê-la se expandir

Como mar de vida daninha

Florescer

Acenar ao vento

com esse cheiro branco

de liberdade se movendo livremente

tão natural

naturalmente correndo

sangue em artérias

esguichando de mim

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Ao Útero


Não é com carne humana que te moldo, querido Paolo.

Não é com genes, nutrientes e placenta que te revisto para existir. Não é de mim que nasce. Ao contrário, eu parto de você...

Como água corrente e barulhenta junto ao cais, entre as espumas de sal, eu existo.

Como princípio débil inicialmente e luz fraca sem vontade até que me torne algo mais substancial, jorro. Eu aprendo de você, mestre prodígio. Sábio sem rugas. Anjo e fauno.

Tudo com que te cubro é a ilusão de verdades soltas, ritmadas. Como em som ou pintura. Na busca de tentar capturar o fulgor sobre cílios e pálpebras, a retidão das articulações e o estado da tua boca que devora e digere o silêncio feito remédio amargo, conduzindo-o pela tua garganta rumo ao absorver mecânico, fechando as feridas que abro todas as noites com o tilintar de foices e pás rudes. Curando a nós dois na imprecisão desse Tempo que corresponde ao terceiro sobrevivente de nossa relação. Como amante muito dissimulado e exigente, dando-nos e tirando o suficiente para nos devastarmos e amarmos quantas vezes for necessário. Tempo.

Adorado menino, você me pergunta se eu o amo, esperando a dor. Mas recebe a doçura e a paixão turbulenta de meus músculos tesos, dos meus abraços esquivos, beijos tempestivos, tudo o que tenho para dar, meu mais lapidado tesouro, meu quilate. Então, nada você sabe do que faz conosco.

Porque é o sim que recebe. E o mundo ainda se torna mais perigoso, desprovido de cordas vocais, frente ao sim.

Procuro te transportar para o universo suave e diáfano da escrita, mas a cada letra datilografada, você evapora de mim com o peso de pedras em desmoronamento. Cai com a força da natureza, devastando a curvatura das palavras, lacerando os cantos do papel. Cai com sua própria força. Insustentável.

Aqui, tento te salvar. Te preservar do caos, do nosso companheiro Tempo que saliva, lambendo unhas frente a tentação de nos devorar. Aqui você germina puro e eterno. Como astro e estrelas. Criação. Força motriz imutável. Eterno. Amante e criança. Mestre do meu amor.

É a minha forma mais primitiva, mais brutal de dar afeto. Construir uma atmosfera para que se sinta confortável, respirando ares mais propícios, despertando humores mais saudáveis.

Aqui não existe o Tempo. É o lugar sagrado de nós dois, Paolo. Minha forma de driblar mudanças. O quarto secreto onde sempre nos encontraremos quantas vezes for necessário. Onde você sente o meu perfume, abre caminhos pela pele nua frente a sinuosidade de veias e artérias, se torna líquido.

Antes que o mundo nos reivindique o direito de ser parte e não arte viva de suas entranhas implorando para não morrer, nos amemos aqui, príncipe das marés altas que aqui dentro navegou.

(Lígia)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Ondas




Quebra-te entre as pedras,


Arrancando do pincel unhas e cerdas


Mar salgado, água em ponto solto


Tempestade-pus do que aqui jaz morto