O exercício de “Oulipo” em sala de aula consistia em escrever um texto coeso e coerente em um prazo de uma hora, de aproximadamente vinte linhas onde as seguintes palavras estivessem presentes: tubarão, meditar, inventar, frescuras, diplomata, tabaco, espuma, besteirada, anticiclone e mistério.
Não necessariamente as palavras deveriam estar na ordem apresentada, mas seria bom que estivessem.
“Naqueles dias, Fernando meditara sobre as diferentes formas de abandonar Miguel. Formulara frases solidárias, inventara diálogos decisivos enquanto permanecia trancado em seu quarto, impregnando o ar com o enjoativo odor de tabaco. Era um mistério como ainda não tossia, não ofegava após anos de interrupto vício tão criticado pelo amante. Agora, tudo estaria acabado. Fernando cansara das reclamações de Miguel. Saturara-se de suas frescuras, de seus hábitos, de sua dependência, da tatuagem de tubarão em suas costas, da espuma de barba que esquecia de lavar do rosto cortado. Essa besteirada toda que se arrastava por seis longos anos. Seis anos que para Fernando haviam sido o vício mais doce, uma causa perdida. Ansiava viver solitário, consigo mesmo de agora em diante. Era diplomata em sua profissão, porém não ansiava ser mais diplomático com seus dias, com seu corpo, com suas horas...
O telefone ressoou três vezes antes de Fernando atender naquela manhã de abril. A voz pálida, metálica anunciou como crisálida a morte de Miguel. Estava morto. Era definitivo. Um anticiclone se formava nas entranhas do garoto pálido enquanto o mundo se tornava um lugar mais confortável. Miguel não havia clamado por sua vida quando Fernando o esfaqueara na noite anterior. Morrera obedientemente como todas as ações que empilhava durante anos ao lado de seu amor obsessivo. Quase compreendia com seus olhos vítreos que as coisas não podiam ser de outra forma. Seu corpo retalhado por misteriosa morte jazia sobre canteiros de anêmonas. Fernando sorria solitário. Fumava solitário. O mundo nunca antes lhe fora tão leve.”
Bem, eu tenho uma máxima que assim como o amor está muito próximo do ódio, está também muito próximo da morte.
Tive um estranho desejo de morte todas as vezes que amei demais. Como se a natureza da solidão, da independência se debatessem entre a clausura imposta. Afinal, quem é a pessoa que até momentos não existia, existindo repentinamente e anulando pensamentos e hábitos idosos em nome de “amor”? Para se livrar dessa obsessão, o que seria eficaz então?
Não explicam para as pessoas como lidar com o amor e o ódio juntos. Apenas separadamente! E isso é iludir a natureza humana porque nunca se é um só.
Logo em seguida, eu me descobria apaixonada, anestesiada. O desejo de liberdade adormecido.
Talvez não seja muito fácil para algumas pessoas lidar com o “eu” e o “amour fou” ao mesmo tempo. É como pedir para Fernando Pessoa não falar de seus “eus”, mas sim da Carlota de Goethe.
Obviamente, nunca pensei ou cogitei matar ninguém. Sou a favor da vida sempre. Isso é mais um sentimento indefinido, um cansaço de entrega e uma fidelidade inexplicável ao “eu” que eu ampliei vários graus e transformei em texto mórbido. :P
domingo, 28 de outubro de 2007
Anêmona
Oulipo
Pois é, eu sou noctívaga. Minha irmã compreensiva diz que todos os gênios são noctívagos, mas eu acredito que os gênios fiquem criando genialidades em meio a seus hábitos noturnos e não vagando pela casa feito chinchilas. Logo, sou chinchila e não, gênio.
Em especial, aproveito as horas noturnas para refletir sobre algumas peculiaridades do dia que vivo em processo de constante sono. Acho que a consciência se torna mais intensa. Os sons, mais significativos. O silêncio que às vezes é uma bênçao durante as manhãs é interrupto à noite. Nas rádios, tocam as melhores músicas. As pessoas estão anestesiadas...
Por isso, quando estou em casa durante a madrugada, é certo estar aqui e ali, maquinando ou vagando. Encontrei recentemente durante uma madrugada em que estava organizando uns papéis bagunçados dos períodos passados, a matéria das professoras Ana Alencar e Ana Maria.
Era justamente o que queria encontrar: Oficina de literatura em “Oulipo”.
“Oulipo” (Ouvroir de littérature potentielle) consiste em um movimento fundado por matemáticos e escritores na França que se embasava na “literatura potencial”. Essa “literatura potencial” era estimulada por mecanismos, regras e propostas que procuravam desenvolver uma criatividade eficaz e quase automática através de alguns exercícios.
Segundo “Oulipo”, qualquer pessoa possuía a capacidade de escrever, não sendo isto um dom, porém sim, uma técnica que quando bem explorada atingia resultados inesperados e muito satisfatórios.
Algumas das obras dos membros de “Oulipo” que fugiam bastante do senso comum, alcançaram notoriedade. Dentre elas, “Exercices de Style” de Queneau, na qual o autor narra uma história particularmente simples de noventa e nove maneiras diferentes, em diferentes estilos.
Em outra obra, um seguidor de “Oulipo” escreveu um romance inteiro sem a letra “e”, o que parece surpreendente, dado o número de vocábulos na língua francesa que são grafados com a letra “e”.
Outros autores faziam ainda combinações de palavras que podiam ser lidas de milhões de maneiras diferentes ou textos que quando lidos diretamente diziam algo e quando lidos ao contrário, diziam o oposto.
A matéria optativa da faculdade propunha a produção de textos dos alunos através de alguns exercícios de “Oulipo”. Houve a presença de textos por parte de alguns alunos que deixaram as professoras e a turma literalmente de boca aberta.
Eu, particularmente, discordo em um aspecto de “Oulipo”. Discordo da idéia de que qualquer um pode produzir excelente escrita, independente de seu interesse ou desenvolvimento. Pois tenho para mim que do momento em que uma pessoa procura “Oulipo” para desenvolver técnicas, já possui uma produção literária própria e inclusive, tem muito interesse em escrita, mesmo que sua profissão seja voltada para matemática, ciência ou medicina.
Na sala, havia alunos que faziam sociologia, história, geografia, etc. No entanto, todos liam muito e já produziam por si só, textos. Ou seja, o dom da escrita estava lá. Não eram pessoas iniciantes sem um preparo prévio e muito interesse. Caso contrário, não se inscreveriam em uma matéria optativa de outra área.
Bom, enfim...pretendo postar aqui alguns poucos textos de “Oulipo” feitos em sala de aula na próxima semana se houver tempo. :)
segunda-feira, 22 de outubro de 2007
Ao útero
"Lígia descobriu-se muito cedo os pervertendo.
Pervertia com o fogo-fátuo sob cílios compridos, a simetria daquelas formas, as palavras que escorregavam dos lábios adocicadas com um estranho erotismo, os olhares nervosos quando ela os fitava por detrás de seu mundo codificado.
Pervertia aqueles corpos jovens e desejáveis quando interagiam entre si, quando se tocavam suavemente. Intimamente. No acaso das horas. Na inconsciência da vida.
Havia malícia para os rapazes desajeitados do internato. Para a febre virulenta que se alastrava por seus corpos, esmigalhando termômetros nas horas lânguidas da tarde. Derretendo tudo que é palpável e exato, como um quadro de Dali, até que restassem unicamente cabelos, ossos e unhas...
Lígia flagrara-se fitando com particular interesse mesmo as meninas do prédio feminino. As madeixas compridas e brilhantes, os olhares sonhadores, as formas menos duráveis aborrecidas por tanto se conterem.
Igualmente, todas as perversões da professora de literatura jorravam azedadas por também se conterem. Apodreciam em seu íntimo devido às doses excessivas de carência, de solidão, de letargia, de animosidade e principalmente, de um desespero silencioso que às vezes mesclava-se ao difícil sabor da tristeza. Estagnada. Amarga. Todas as paixões de seus adorados livros haviam a traído. Todas, sem exceção, miravam sua silhueta recortada na atmosfera e a contornavam, deixando para trás apenas sensações mais rasteiras, às quais Lígia se apegava com uma fome doentia.
Dessa forma, seu desejo era agressivo. Não possuía suavidade porque distorcera-se um pouco a cada ano. Por trás de sua imagem sóbria, havia sons dolorosos de objetos cortantes, posições indigestas de seus alunos esfregando as solas dos sapatos em seu rosto e mãos, as mocinhas do internato sendo tomadas como por um homem...
Talvez houvesse algo de belo no sigiloso emaranhado de artérias que liga a incerteza, o rancor e a insensibilidade ao estranho andar de escorpiões sobre virilhas. É certo ver Lígia como uma menina inexperiente que ainda espera o primeiro toque sob um pêndulo de trinta e seis que vibrava em um estado mais profundo que a carne.
Os desejos doentios e atrofiados há muito haviam matado o gosto por prazeres comuns. De maneira que, quando Paolo naquela manhã remexera com a química inflamável de seu toque alguma cinza de criatividade romântica em Lígia, os professores, os alunos, as alunas, o zelador, os faxineiros, os rouxinóis do jardim e os insetos, que sempre detectam rapidamente a mudança de estação, perceberam o olhar sonhador fundido naquelas córneas. Ele simplesmente estava lá. Existia agora como anestesia.
Paolo não ousou muito porque ela estava debilitada com palavras murmuradas em sala e vida vazia. Ele apenas disse aquilo e ela o ouviu. Tocou-lhe e ela o sentiu.
Ele estendeu o braço por cima da mesa e acariciou aquele rosto suavemente, sem malícia, sem febre. Como Lígia não reagisse, ele retirou sua mão e sem nenhuma palavra a mais, arrastou sua existência para fora da sala. Porém, não da vida.
Não interpretou, Paolo com a incompreensão de seus dezesseis que a dureza do rosto de Lígia era porque ela não sentira há muito a famigerada paixão de um toque. De uma carícia. Da violência tênue. De invasivos dedos raspando ternura contra sua pele. Como o de um cadáver, aquele rosto era imaculado. De modo que Lívia sentiu fagulhas de incontáveis sentimentos através daquela palma enquanto as palavras que ouvira há pouco, dissecavam a consciência que vivia dentro de si em estranha simbiose.
Paolo não percebeu como mudara aquele dia. Deliberadamente, fizera a razão girar no sentido anti-horário. Brincara com as químicas de uma natureza humana, com paixão fermentada, com amor azedado. Brincara com um coração onde as moscas há muito haviam colocado ovos."
(Brilliant Green)
quinta-feira, 18 de outubro de 2007
His Dark Materials
What Daemon Are You? -His Dark Materials-
Your daemon is...the hare!Brave and fearless, although these creatures can run away, they can defend their young. Most of the time they are comforting and sometimes rash. They are not particularily social animals, preferring just to live with their families.
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