sábado, 27 de setembro de 2008

“Não sou jovem o suficiente para saber tudo".(Oscar Wilde)

...

Relendo algumas postagens antigas de meu antigo blog, constatei que muitos pensamentos meus amadureceram impecavelmente, sem notoriedade, sem esforço. Amadureceram como todas as coisas orgânicas costumam fazer.
Isso é o suficiente para me sentar em um café em meio a um dia nublado e deixar que a vida, a efervescência, o orgânico também se insinuem ao meu redor. Relaxando, observando as coisas através de uma visão mais diligente, mais analítica, carregando segredos tão codificados (e ao mesmo tempo, tão óbvios) em uma residência mais interna do que o coração, estou feliz a ponto de beijar as mãos de estranhos e lhes murmurar palavras doces de um convívio, de uma co-existência satisfatória.
Como já fui? Como costumava ser?
Na infância, era tímida, calada. Permanecia no batente da porta de outra vida que vivi antes dessa e ocasionalmente, entrava em choque com essa realidade. Costumava me isolar e ao contrário do que meus pais acreditavam, era feliz assim.
Criava histórias em minha mente que me faziam rir ou chorar. Sem compreender, as pessoas me olhavam como se fitassem um problema em miniatura que cresceria e traria danos. Na pior das hipóteses, seria infeliz. E isso, na melhor das hipóteses, não teria nada a ver com os outros.
Na adolescência, fui barulhenta. Inconformada. Batia portas, quebrava objetos, levantava a voz como se levanta uma pena. Costumava me eriçar como um gato quando diante de coisas que odiava. De pessoas que odiava. A ira era amarela e púrpura. Lembro bem dela.
Tivemos um caso de amor obsessivo por anos. Sem perceber, fornicávamos já sem que eu percebesse. Sem perceber, tornei-me intragável algumas vezes. E a solidão já não era mais uma questão de escolha, mas um destino certo e inevitável.
Então, comecei a me envolver com sentimentos mais pesados. Drogas naturais. Injetei ódio, melancolia, desprezo, amargura e por fim, tudo culminou em uma overdose de depressão.
Entretanto, olhando para trás, para todos esses quadros pintados com cores vivas, enxergo alguma essência minha que morreu, modificou-se ou renasceu em meio aos pigmentos ocre de areia e poeira. Talvez, somando-se os pontos ou ligando-os, uma linha precisa de acontecimentos, fatos, decepções e alegrias formem um belo desenho que representará a paz de espírito que finalmente senta-se ao meu lado para tomar um café.
Não sei dizer quando exatamente fiquei assim. Quando me tornei mais calma, mais dócil...
Lembro-me de uma menina que tinha medo do mundo e preferia viver no seu próprio universo. Lembro-me também de uma outra que repudiava a forma de ser de tudo. Que desprezava todas as existências e por fim, acabou odiando a si mesma.
Algumas vezes, lembro-me de uma mulherzinha mais recente, mais feliz, mais contemporânea, explodindo em gargalhadas que transmitem boa vontade, bem estar. Sensações naturais raramente sentidas que chegam agora com a força, com a brutalidade de ventanias adormecidas. Penso nela aproveitando também a companhia de seu velho amigo de infância, chamado silêncio. Construindo pontes para dentro de si e para fora do mundo. Utilizando a escrita para falar de si mesma porque atualmente gosta de fazer barulho, sem exaurir-se, sem gritaria, sem ira.
Chorar, ainda choro ora sozinha, ora diante daqueles que amo. Com as mãos entrelaçando-se nos cabelos enquanto o rosto se avermelha.
Nunca senti vergonha de chorar. Não dói. É tão natural quanto sorrir. Não mata, se sentido na medida certa. Nada de vícios. Alivia a pressão...
Afinal, não sentir, sim, é indecente.
Tomando café com essa estranha paz, com essa calmaria, com essa transcendência que às vezes, também não compreendo, mas que me cativa, me retêm com sua beleza, com sua suavidade, sua sutileza em erupção quase vulcânica, enxergo que mudei e isso me deixa satisfeita. Aliviada. Quase convencida de que todas as coisas são como deveriam ser. E que estou exatamente onde deveria estar.
Eu me levanto e observo aquela dama de olhar infinito e me descubro apaixonada... Reflito.
Pensando bem, nunca me conformei com nada mesmo, nunca parei, nunca saciei uma sede de conhecimento, de vida que trouxe ainda da existência passada na bagagem de ações não-concluídas. Meu limite nunca foi o céu. Talvez, seja realmente o infinito. O incalculável. Esse símbolo cardinal deitado, tatuado em meu pulso.
No entanto, é uma inquietação mental, tão calma, tão morna, tão lânguida aquela que me nutre agora. Como cera derretida. Como se todas as respostas estivessem expostas ao sol.
Finalmente, eu nasci. E o DNA invisível que devora cabelos, unhas e sangue para existir sob a forma de algo não palpável como conhecimento e aprendizado se desenvolve mais útil. Mais relevante. Instala-se no coração e na mente. É o que se carrega mesmo depois da morte.
Sábias culturas antigas eram aquelas que devoravam o coração e o cérebro de seus entes queridos ou inimigos, a fim de incorporarem suas virtudes e sabedoria. Elas já sabiam o caminho certo da alma.
Porém, pecavam em seus métodos. É preciso ir mais fundo do que a carne, do que as artérias, do que a cerne. É preciso viver. Essa é a premissa básica do “ser”. Não se burla essa regra. Não podemos contorná-la. Tampouco, lubridiá-la.
Isso é justo. Reflito eu diante da xícara fumegante, olhando a cidade mergulhada em cinza através da vidraça. Isso é lindo. E é excitante pensar que ainda não vi tudo.
Α . Ω .