sexta-feira, 19 de junho de 2009

Stereofun


"Deve de ser cisma minha
Mas a única maneira ainda
De imaginar a minha vida
É vê-la como um musical dos anos trinta
E no meio de uma depressão

Te ver e ter beleza e fantasia.
E hoje em dia, como é que se diz: 'Eu te amo'?
E hoje em dia, vamos fazer um filme"
***
"Meu amor...
Disciplina é liberdade
Compaixão é fortaleza
Ter bondade é ter coragem
Lá em casa tem um poço
Mas a água é muito limpa..."

(RENATO ROUSSEAU)

terça-feira, 16 de junho de 2009

C6H5-CHO+C10H16O em segunda (07:33 A.M.)

"Era doloroso andar por esses asfaltos quando a anestesia entorpecente, eufórica lhe abandonava o corpo. Estado de fraqueza. De ressaca. Quase doença.

Em manhã cinza, indecisa entre gotas de chuva minguadas ou raios de sol esquálidos, Paolo farejou um perfume entre os corpos. Enquanto o tempo se decidia entre fenômenos debilitados naquele dia, Paolo acendeu-se por trinta segundos. Quarenta, no máximo.

Cheiro doce mesclado a odor mais cítrico. Lígia fragmentada em seus cigarros de cereja e em três gotas de perfume no pulso. Paolo não pôde evitar procurá-la na multidão cinzenta que saía dos subúrbios-túmulos para os trabalhos. Estava se acostumando pouco a pouco a ser servil. Entre as pessoas que o contornavam na calçada, buscava. Aspirava o ar. Os olhos fundos como covas se moviam.

Reunir cítrico e doçura deveria ser uma arte. Túlio sempre lhe falava de química. Amava química. Gostava de passar horas realizando combinações dessas cadeias carbonocêntricas. Gostava de testar resultados. De lhe incutir esses saberes.

Mas Túlio não lhe falava do universo, do baque surdo, da perda de chão causados por essas combinações. Citral e cereja coexistindo para lhe roubar os sentidos por trinta segundos. Dez de dor equilibrando-se com saudade.

Lígia lhe olhando por sobre o ombro ao entardecer. Lígia emancipando o solstício em tarde de sol para lhe dizer algo que nem eram palavras. As pessoas quando envelhecem às vezes falam menos.

Nas lembranças, os silêncios adquirem respeito. Cavam sentido.

Paolo desistiu de procurá-la na calçada. Quarenta e um segundos se passaram. O cheiro se fora. Agora estava desmembrado como o pequeno universo de lembrança em catálise e erosão. Provavelmente, partira do batom adocicado de alguma garota de Nabokov e o cheiro cítrico de alguma mulher de Balzac As duas separadas. Não sendo ao mesmo tempo.

Paolo estava abatido por essa paixão violenta e impiedosa. Um garoto de dezesseis amando uma senhora de trinta e seis. Estabelecendo poesias empobrecidas e banais ao amanhecer na rua como algo pequeno e típico de sua idade. Por Lígia que lhe acharia patético. Como algo pequeno e típico também da idade dela.

Espreme-se nessas linhas algo muito amargo de seres empobrecidos. Solitários. Estados que se desenvolvem de forma estratosférica nas guerras mais brutais do silêncio. Do íntimo.

Estados de fraqueza. De ressaca. Quase doença."


(Ao Útero)

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Woken up while everyone sleeps




Pensamentos esbarrando ruidosamente contra as têmporas. Idéias varejeiras.

Mermaid



"Quando a juventude se sentar ao canto como uma distinta e velha senhora, quando meu orgulho se despir de suas cores vivas e brutais e a vaidade partir como um pássaro diante da iminência de inverno... Quando todas as inquietações caírem aos meus pés como folhas ressequidas e mortas, talvez eu possa viver em algum lugar pequeno e claro. Talvez, eu possa pintar telas menos viscerais, menos vivas. Talvez, eu mesma possa me tornar menos. E assim, exigir menos, querer menos. E ver menos. E finalmente, precisar de cuidados. Porque nunca precisei de nada. Nem de ninguém. Exceto do pequeno espaço que você ocupa e no qual faz caber a extensão desse mesmo universo que sempre rejeitei.
Estaria lá comigo, Isabelle? Levaria ao mar esse animal de escamas arrancadas e guelras entupidas? Esse ser de membros costurados e pulmões dilacerados? Levaria, Isabelle? Levaria?”

(Ao Útero)

Existir

É quando arranco sutilmente

as frases mais brutas

Quando escrevo em linhas horizontais,

os fatos de horizontes infinitos

E deixo minha sensibilidade em erupção violenta

Quase vulcânica

Com a alma em espasmos e soluços desvairados

Dedilhando em fonte Courier, tamanho 12

E sentindo nas vísceras

O regurgitar de tudo que já vivi

De tudo que ouvi. E vi.

Meu amor, minha dor

Minha doçura tão sangüínea

Meu erotismo quase parasitário

E todas as paixões fermentadas

Para escrever “Era uma vez... o que ainda é...”

Sinto-me extenuar de tanta vida

Sinto-me como nunca viva

É quando falo de poesias

Quando escrevo sobre um sentir tão deliberado

Quase indecente

Plenamente subversivo

Suavemente totalitário

Que carrego todo o infinito em minhas entranhas

E isso é mais viver do que viver

Ver sem saber

É o ser e não ser

Sem a questão