segunda-feira, 20 de abril de 2009

Sirena


"Abaixo do umbigo era aquática. Mulher intocada de desejos escorregadios. Não amava os homens. Não lhes dedicava atenção.

Mas insistia porque não sabia o que fazer com a euforia de suas vontades. Com seus sonhos obscuros. De anatomias semelhantes. De formas sinuantes. Nunca retas.


Então, os atraía com a beleza de seu olhar. Com sua voz perigosa. Quase sonora.
E permitia que fizessem o que quisessem do umbigo para cima, mantendo unidas as trêmulas pernas.

Inevitavelmente, eles se apaixonavam.
Aprisionavam-se em seu desejo parcialmente saciado. Afogavam-se em paixão não-correspondida. E Maria seguia também com seu desejo parcialmente saciado. Ninguém encontrava o que procurava. E nada se falava sobre isso.

Exceto por aqueles muitos que comentavam sua conduta. Garota de boa família vagabunda. Uma vergonha para seus bons pais. Quase uma mulherzinha. Anda por aí se esfregando com todos os rapazes.

E a micro-sociedade se equilibrava. Pervertendo tudo que podia ser profundo. Tornando rasas as metáforas. Classificando as dualidades.

Logo, as línguas ferozes, ofídicas, bifurcadas arrancaram-lhe o hímen. A ação da qual nenhum rapaz conseguiu sequer aproximar-se. E isso lhe sangrava um pouco.

Não existiria uma Vênus com nome santo. E ponto."


("Ao útero"- Rafaella P.)

2 comentários:

Pêxe disse...

Mas não é, menina?
O que a "boca pequena" não é capaz de fazer?
E voltamos àquele papo da fantasia. No big brother diário que é a vida cotidiana, nos deparamos com esse tipo de devaneio coletivo em que as pessoas têm a necessidade de fantasiar sobre a vida alheia, exalando seus desejos mais profundos, e jogando nos ombros de outrem para escapar da culpa e se esconderem nesse "moralismo" tão prezado. Essa imagem é bem real, e faz a gente refletir o quanto nós, nossos pensamentos e atitudes são fundados em imagens pré estabelacidas.

=***

Priscila disse...

Estou cada vez mais curiosa para ler sobre essa menina, que acho muito inspiradora.
Quanto mais difícil é a situação dela, mais forte ela se mostra pra superar. Quanto menos o mundo aceita, mais ela tem que se aceitar...
Suas palavras constroem um ritmo muito vivo!