domingo, 24 de maio de 2009

Enquanto isso, em algum canto da cidade...


Acordava quase todos os dias muito cedo e cedo, o sono fugia de seus olhos. Como poeira sendo desprendida em vento. Tinha o privilégio de ver o nascer do sol em ponte de asfalto que separava/unia dois lados da cidade. Era quase do gueto porque nasceu sabendo brigar. Sabendo se camuflar ou se ressaltar quando bem o queria. Sabendo ser lânguida de movimentos súbitos. E também era quase andorinha que sobrevoava as manhãs com cheiro de sal em baía podre. Sobrevoava tudo.

Tinha um jeito de abraçar aqueles que amava que era seu. Sem apertar, mas fazendo questão de encostar o coração. Quase fazendo ligadura de artérias. E beijava como se beijasse o mundo. Porque tinha essa mania de universalizar. E até um beijo era propício para tudo. Nunca beijava da mesma forma.

Às vezes, quando acordada sozinha na madrugada, caminhava de um lado para o outro com roupas de casa. Tecidos leves. Cigarro de menta entre os dedos e unhas raspando a máquina de escrever. O gato riscando a mobília. Hábitos noturnos símiles.

Ela olhava para o jardim na frente de seu quarto de quando em quando e deixava se levar por pensamentos. Tossia porque seus pulmões nunca lhe prestaram muita fidelidade. Na infância, os nebulizara quase a ponto de escaldá-los. Por consciência pesada, jogava o cigarro e as guimbas fora de tempos em tempos.

Pode-se dizer que tudo faz e não faz sentido. Pode-se dizer que nada mais dói a ponto de chorar. E que não há mais nada para se odiar. E que a vida anterior foi plenamente exaurida. E que assuntos como dinheiro, materialismo ou competição continuam sendo léxicos que não afetam. Que tudo permanece num estado flutuante de envolvimento sem apegos traumáticos.

Pode-se dizer também que há amor verdadeiro em cada ligadura bem sucedida de artéria. Ainda que nem sempre em todos os beijos, por mais diferentes que fossem, houvesse realmente amor.

E que tudo se ganhou e se perdeu da forma certa. Começou, acabou, recomeçou... Às vezes, não acabou. Em outras, nunca recomeçou. Ou nem começou. E nada importa. Porque está bem da forma que é.

Então, é isso finalmente maturidade? Flexibilidade? Paz de espírito?

O que há depois disso, pensava ela olhando o mar, as andorinhas, o sol em ponte de metrópoles e em ponte de si para com o mundo. Ponte que unia/separava.

3 comentários:

Priscila disse...

palavras refletindo a lucidez única do jarro aquariano
aquela lucidez que, como você diz aqui, surge às vezes na calada da noite, pegando uns desprevenidos, outros não. E que parece ao mesmo tempo tirar sentido das coisas e dar-lhes sentido. que nos faz sentir únicos e ao mesmo tempo universais.
acho delicioso esse estado de flutuar por cima da existência mas sem se separar dela. é o nosso lado contemplativo (XD), que nos permite relaxar de vez em quando, ver a vida por outro ângulo, vê-la como um todo.
nem preciso dizer o quanto amei!!!
esse texto é como um desses momentos, na noite...

Priscila disse...

palavras refletindo a lucidez única do jarro aquariano
aquela lucidez que, como você diz aqui, surge às vezes na calada da noite, pegando uns desprevenidos, outros não. E que parece ao mesmo tempo tirar sentido das coisas e dar-lhes sentido. que nos faz sentir únicos e ao mesmo tempo universais.
acho delicioso esse estado de flutuar por cima da existência mas sem se separar dela. é o nosso lado contemplativo (XD), que nos permite relaxar de vez em quando, ver a vida por outro ângulo, vê-la como um todo.
nem preciso dizer o quanto amei!!!
esse texto é como um desses momentos, na noite...

Brilliant Green disse...

Acho a madrugada fundamental para revolver-se essa consciência viva. No silêncio da noite, os pensamentos saem para caçar, estando nós acordados ou dormindo. Prefiro ficar bem acordadinha e não perder as etapas desse processo. u.u
Thanks pelo comment, dear =*