quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Closer



Indicando para um amigo meu, o filme “Closer_ Perto Demais” que se inclui em um dos meus favoritos, acabei relembrando dessa produção que considero brutal, eficaz, necessária e marcante em muitos aspectos. Não canso de rever esse filme porque sempre fica aquela sensação boa de capturar-se algo que ficou nebuloso na vez anterior. Algo nebuloso inserido em diálogos que variam entre a ironia, o bom senso e a brutal e egoísta intenção de personagens irritantemente reais.
Na época, o filme foi vendido com a imagem de filme de amor e casais. E ironicamente, foi curioso ver casais de namorados saindo das salas de projeção com opiniões categóricas sobre a má qualidade do filme e seus personagens doentios. Foi um estudo antropológico particular ver o mal estar de algumas pessoas durante o filme. Por que tanto incômodo com mundo fictício, atores famosos e excelente produção de arte?
Antes de tudo, “Closer_Perto Demais” é um filme que fala de pessoas e não de amor. Aliás, fala primeiro de pessoas para daí, vir a análise do amor. E essa análise fica conosco e não com o diretor.
Todo o cerne da questão se instala no ego e de como relacionar-se afetivamente com o outro é antes de tudo, uma relação consigo mesmo. O amor muitas vezes surge como o pretexto no enredo para a exposição de inseguranças, frustrações, idealizações e um comovente estado ordinário de solidão.
O filme gira em torno de quatro pessoas: Dan (Jude Law), Larry (Clive Owen), Alice/Jane (Natalie Portman) e Anna (Julia Roberts).
Deparamos logo de início com um encontro acidental (literalmente) de Dan e Alice com direito a música de Damien Rice insistente e romantismo à flor da pele. O amor à primeira vista perdura e durante todo o relacionamento, o casal se diverte remexendo os detalhes desse primeiro encontro e reavivando todos os símbolos e situações que permearam sua união.
A relação dos dois começa a azedar quando Dan se envolve com Anna e esta paralelamente se envolve com Larry. As afetividades são compostas por idas e voltas muitas vezes inusitadas e incômodas. O masoquismo dos personagens beira a loucura quando feridos, exigem saber de seus parceiros cada detalhe da traição, interagindo com os desejos desses, antes de desmoronarem.
A minha visão particular dos personagens se apresentou da seguinte maneira em discussões sobre o filme onde tentei colocar meu ponto de vista a fim de defendê-lo:
Dan é antes de tudo um sonhador que possui problemas para lidar com a realidade. É um desses seres que se encanta com estranhos e pouco intenciona em conhecê-los profundamente. Prefere mantê-los no campo da abstração e com essa imagem interagir. Sua fantasia é o que o move e o resgata da realidade, muitas vezes desanimadora e ríspida. A quebra dessa fantasia se apresenta letal para ele durante o filme. A “perda da inocência” o martiriza e o incapacita.
Alice , sua namorada, é uma jovem que pula de relacionamento em relacionamento e os termina antes que se fadem ao fracasso. É uma personagem curiosa porque durante todo o momento ela alimenta a fantasia de Dan, construindo inclusive esse nome falso “Alice”. Na verdade, ela se chama Jane e trabalha em um clube de stripper, usando seu nome verdadeiro enquanto todas as outras strippers utilizam nomes falsos. Essa é a real. A garota da boate que tira a roupa para os homens é a personagem palpável e a que vive com o namorado e lhe dedica atenção é a falsa. Por quê? Para não se permitir invadir ou conhecer se cria falsas imagens e com isso, o relacionamento se torna ao mesmo tempo um envolvimento sem um profundo envolvimento. Isso parece tão surreal? É de fato tão distante da realidade quando escondemos nossa natureza, não desejando que o outro a veja?
Jane dorme com Larry quando Dan e Anna os abandonam. A esse, ela permite que sua verdadeira parte seja exibida e explicita seu interior, sem hesitações ou receios. Expõe seu tão bem guardado nome.
Não é mais fácil interagir com estranhos, cuja opinião não possui peso ou valor do que com um namorado, cuja toda vida de três anos está atrelada? Isso é realmente tão sem propósito e distante da realidade no que observamos diariamente? Mentir antes de qualquer possível rejeição ou retaliação parece realmente idiota?
Larry, o “observador do circo humano” muitas vezes parece ser o único que possui consciência das verdadeiras intenções e da dança entre casais que ocorre. Com uma percepção analítica e constatações contundentes, ele é um dos tipos que parecem patéticos o tempo inteiro. Mas não é. Seu desejo sexual é agressivo e ele sempre busca a memória de ex-namoradas para alimentar seu imaginário. Mulheres que talvez não tenham sido corretas e permitem o extravaso de seu lado violento, onde as parceiras são tratadas como prostitutas por ele.
Para quem viu o filme, lembrem-se da parte em que ele em uma sala de chat pornô, tem seu interesse despertado por Dan e é atirado para Anna que alimenta seu imaginário de prostituta. Depois, lembrem-se do fim, onde ele conquista o direito de permanecer com a mulher que “ama” ao lado. Uma mulher que o traiu impiedosamente e que sempre poderia ser maltratada impiedosamente. Final feliz para ele.
Por último, temos Anna, uma fotógrafa divorciada e com problemas de depressão. Que “gosta de transar sentindo culpa”. Depressivos masoquistas gostam de seu estado de tristeza e sair desse estado é mais doloroso, complicado e inacessível do que permanecer nele. Ser triste é mais fácil e talvez muitos tenham um prazer mórbido e vago em sentir infelicidade.
Então, por que as pessoas taxaram o filme de uma forma tão negativa?
Será que não é possível encontrar um mínimo de identificação entre si próprio e algum desses personagens, senão os quatro? É uma troca de casais banal e infantil? Personagens doentios?
Não é a realidade?
Na época em que “ficar” é muito mais conveniente do que se construir relações e observamos erupções de depressivos, solitários, escapistas e fetichistas não é válido fazer uma ponte do nosso mundinho para essa película?
“O coração é um punho banhado de sangue”, defende-se Larry em um momento. Romantismo, idealizações, memórias parecem uma tentativa vã de engodo para uma situação primitiva onde pessoas egoístas procuram soluções imediatistas para seus problemas, muitas vezes no outro.
Mais uma vez pergunto. Isso é tão distante da realidade?
É tão distante da realidade se juntar pessoas através de reles atração física e propósitos puramente egocêntricos? No fim, cada personagem teve seu final merecido e que os permitiu serem felizes, ainda que para nós pareçam indigestas as soluções apresentadas pelo diretor.
Vamos olhar friamente ao nosso redor e constatar se não vimos um pouco disso tudo nas relações atuais. Efêmeras, paliativas, imediatas, inconstantes. Perpetuadoras muitas vezes de nossos erros e defeitos. Egos se espremem uns com os outros e se antes, o mito do andrógino dizia que cada pessoa buscava sua outra parte a fim de se sentir completa, parece mais que cada um busca apenas um solo fértil. Qualquer solo fértil convincente o suficiente.
O amor nunca antes foi tão ferido como nos tempos atuais. Quando a liberdade foi concedida para se amar quem quisesse, fazer o que quisesse e da maneira que quisesse, as pessoas perderam o controle como perderam na maioria das libertações. E o que vemos, é o sentimento se transformando na nova droga, na fuga da realidade, na novidade, na fisiologia, no diferencial de vida ordinária, solitária, tediosa e banal.
Então, por que as pessoas saíram do cinema tão desapontadas?
“Eu amo tudo em você que dói...”diz Larry em um determinado ponto do filme para Jane. Tudo que dói nela é a verdade. E tudo que dói nas pessoas também é a verdade. Refletir sobre o estado das coisas nem sempre é tranqüilo. Aliás, muitas vezes é traumático. Repetir comportamentos e acostumar-se com as situações é demasiadamente simples. Não enxergar é muitas vezes o que move nossos espíritos.
É claro que eu adorei o filme. É claro que eu o defendi da maneira que pude na época. Já faz um tempo e eu era bem mais jovem. Sem a eloqüência amadurecida, duvido que tenha sido convincente. Espero que o possa ser um pouco mais agora.
É um filme que recomendo para todos. Para auto-análise. Para distração. Porque o filme é bom. Porque eu quero reservar esse espaço do blog para sugerir esse filme. Enfim... Vejam por qualquer motivo. Mas vejam. E duvido que a maioria de vocês não se encontre pelo menos uma vez na fala de algum personagem, no olhar, na expressão perante as idas e voltas da vida e dessa forma, se enxerguem também no cenário da vida. Para sermos menos banais e talvez assim, aprendermos a nos relacionar com nós mesmos da maneira certa. Relações interpessoais e intrapessoais andam confusas nos dias de hoje. Muitas vezes, se misturam. Vamos peneirá-las da melhor maneira que pudermos. Sem paliativos, sem fugas, sem idas e voltas. Como adultos.

2 comentários:

Priscila disse...

Se iludir demais às vezes é um problema mesmo...Sua análise me faz lembrar das palavras da nossa querida Lispector: "só sei amar o que eu amaria", ou seja, é sempre o nosso ego interferindo em tudo.
Uma cena desse filme que me deixa arrepiada é quando o médico chama o Dan de escritor, mas com um desprezo, como se fosse uma ofensa. O médico era um que tirava prazer da realidade, por mais brutal que fosse, até preferia que fosse assim. Curioso que eles parecem extremos opostos, mas no fundo também buscavam saciar seus próprios fetiches, um da violência da verdade, outro dos sonhos que criava. Será que sempre tem que ser extremista assim? Acho que a verdadeira brutalidade como você disse está no confronto com o nosso ego, que aumenta no contato com o outro. Muitas coisas aprendemos sobre nós quando em contato com outros, nem sempre são coisas agradáveis que descobrimos. Continuar preso em cismas é mais fácil... e solitário.
O filme é de fato humano ao extremo, apontando com precisão todas essas questões tão presentes em cada um, como você disse.
Fodérrima sua análise Rafa! Me deu foi vontade de assistir de novo, vamos marcar XD

Anônimo disse...

Acabo esbarrando com esse filme várias vezes quando resolvo ligar a televisão. Passou em vários canais nessa semana. Essa cena em que o Larry chama o Dan de "writer" é uma das minhas cenas favoritas também. Quanto desprezo! Implicitamente, ele o identifica e o desconstrói nessa parte, acho. Como se o chamasse de "sonhador". Afinal, o que é o escritor senão um sonhador em potencial com caprichos, vontades e a necessidade arrebatadora de criar algo além de si mesmo para satisfazê-lo temporariamente?
Mas, falando em problemas de ego azedando relações, li uma crítica muito boa no jornal sobre "Revolutionary Road" que aponta uma questão parecida com o que foi dito aqui. Como o "eu" pode destruir o "nós".
Vou ver se eu acho esse jornal pra deixar com você.
Ah sim, vamos marcar sim. Esse filme acabou que nunca vimos juntas. :)