segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Seis extremos para sonhar



Olívia exibia olhos fundos como covas e andava por estações de trem, trajando os sobretudos de lã que ocultavam a destruição. Olívia era a própria destruição. O caos de noites mal dormidas, de desejos mal desenvolvidos, de vida mal estabelecida. De tudo que era malfeito e inacabado, perdendo-se no charme da decadência. Em botas de vinil e cabelo desgrenhado. Em perfume comprado de catálogos de revista onde todos os cheiros eram mais ou menos semelhantes.
Podia romper a vida de seus próprios pulmões com cigarro mentolado e tossia duas ou três vezes quando dois ou três homens viraram a cabeça para olhá-la. Para observar o quão corrosiva a vida podia ser às vezes com coisas simples. Como havia sido com o chão sujo e desgastado da estação ou com suas paredes descascadas e ensebadas. Ou ainda, com o relógio central que estava quebrado há tempos e aprisionava todos em um único momento, transformando-os constantemente em memória e não em fato.
O que fazia Olívia deixar a si mesma arriscar-se naquele breu de escolhas? De vida? Por que gostava tanto da imundície, da podridão? Por que gostava de sair do conforto de sua cama, do convívio de pessoas adoráveis e gentis para mergulhar nas ruas?
Gostava da companhia dos piores tipos. Gostava do cheiro de bebidas e cigarro impregnado nos caminhos íngremes pelos quais andava.
Na verdade, ela fugia da casa dos avós, ansiosa para que as más companhias lhe apresentassem cada milímetro do submundo.
Havia também o ensinamento que era plenamente seu.
Estava acostumada a ir para a cama com os garotos de programa que conhecia nos passeios às estações. Rapidamente, aprendia as nuances, as regras, as subversivas.
Estava dormindo com os melhores. Mas, sabia que podia superá-los.
Quando provocavam dor, pedia que fizessem mais forte. Quando batiam, gostava de admirar o formato dos hematomas sobre a palidez da pele. Quando lhe proporcionavam prazer, rapidamente retomava o controle.
Sexo é uma forma de poder. Muito cedo, essa crença chegou até ela. Como engajamento e filosofia de correntes juvenis.
Gostava de absorver até o último segundo, os olhares profundos quando eles se entregavam ao gozo. Quando semi- adormeciam. Quando quase morriam. Quando pediam que lhes fizesse novamente. Quando se tornavam obsedantes.
Ao retornar para casa, todos lhe olhavam com incredulidade. Miravam os hematomas, as marcas e queimaduras. Sentiam o cheiro de colônia barata em seu corpo que não lhe pertencia. Thomas e Bianca mesmo lhe fitavam com nojo. Mal lhe reconheciam para falar a verdade.
E com o tempo foram se aproximando cada vez menos dela. Como se temessem tocá-la. Como se temessem vê-la ou remexer verdades naqueles olhos cada vez menos vivos. Como se olhassem para uma ferida com pus que infeccionava mais a cada dia.
Aos poucos, Olívia tornou-se um fantasma que fazia barulho no quarto de cima e que abria e fechava portas. Que passava dias fora de casa e dormia por dias quando voltava, deixando gotas de sangue nos ladrilhos do banheiro e na roupa suja.
Talvez, fosse ela apenas uma dessas criaturas desorientadas que se confundem com as instruções, com a ordem e acabam vivendo muitas vezes a vida ao contrário. Olívia começara com a morte. E como morta entrava em decomposição, esperando mesmo que inconscientemente o grandioso dia de seu nascimento.
(...)
Eu gosto de falar do caos. Espacial e psicológico.
Porque falar da vulnerabilidade humana para mim é a única forma de descobrir meus personagens. De dissecá-los ao ponto da excelência e fazê-los enxergar em si mesmos tudo que fere. Tudo que é pesado. Para finalmente transformá-los então em heróis. Conhecedores de si mesmos. Senhores estimáveis e de boa reputação.
Crio meus próprios rituais dentro da minha própria escrita. Uma maneira vaga de alinhar, dominar e sistematizar algo plenamente instintivo e sensível. Enfim...

2 comentários:

Priscila disse...

Talvez Olívia goste simplesmente de encarar a vida. De conhecer tudo. Talvez ela seja capaz de se encontrar em tudo, até mesmo em coisas que a maioria rejeita. Talvez a humanidade nela não veja limites.
Ela cava fundo e sua consciência joga luz até nos cantos mais obscuros. E quanto aos olhos mortos... bem, acho que numa vida morremos várias vezes, para renascer!

Brilliant Green disse...

Concordo. Mas alguns já nascem mortos. Morrer e reviver é fundamental.Esperar para nascer depois de mais de uma década é angustiante.
Não viver é patético. Ultra viver é patético. Enfim...
Deveria escrever coisas mais singelas. No entanto, essas coisas parecem tão deformadas, tão incertas. E acabo gostando delas assim na escrita. Whatever... :/